*__Ponte aérea__*
Uma gringa paulista metida a besta trocando cartas confidenciais com um carioca metido a esperto.

sábado, dezembro 20, 2003

<Bia Singer> oásis

Amigo de sempre, das frases e das desfrases, do agito e do silêncio, você sabe que podemos gritar ou emudecer ou qualquer outra coisa entre esses dois extremos, que continuaremos unidos por uma linha invisível mas excepcionalmente forte. Um ímã sem as explicações físicas de um ímã.

Por que abandonamos isso aqui? Onde foi que erramos? Onde falamos demais? Por que cismar que a culpa é sempre do excesso de palavras? Os dedos são nossos, as cabeças são nossas, o mundo desperta sentimentos e reações e não somos nada além de ventríloquos disso tudo junto. Nada além. Não devíamos nos culpar pelo que sentimos, falamos, fazemos. A culpa é de quem vê e desaprova. Malditos.

Menininho, sinto muito sua falta. Sinto falta das promessas de vir a Sampa e nunca vir. Sinto falta das empolgações infundadas que deveriam me irritar, mas sempre despertaram uma violenta ternura por você. Dos planos de mármore construídos sobre um mangue. De elogios de um gigante a uma anã, como se fossem de um anão a uma gigante. Sinto falta das horas a falar sobre tudo e nada, a mudar de assunto como se gira a roleta de um revólver. A disparar qualquer coisa, tenha ou não bala no cano, funcione ou não o gatilho, não importa, não importa, importa apenas que enlouqueçamos juntos em nossa sopa literária. Ninguém precisa entender. E ninguém precisa saber que o que enxergam sopa é na verdade vômito.

Não vou mentir. Cansei de mentir [minto e esqueço das mentiras e depois me traio e me fodo, preciso para de mentir para sempre]. Eu sabia que você e Carla estavam fadados ao fracasso. Era só uma questão de tempo. Era só uma questão de cansar de dançar tango. Uma hora um desistiria e tango, meu amigo, não se dança sozinho. Fiquei triste por você. Entendo o gelado que pulsa na palma de sua mão e a massa dura que você nunca consegue engolir, por mais que force a cada minuto. Sei como dói chorar sem lágrimas. Sei como quase tudo. E não sei nada, porque não estou aí, me fodendo, sangrando em seu lugar. Estou ouvindo apenas, e apenas ouvindo posso ajudar.

Não se torture, querido. O verão está aí. Deixe que o suor, e não as lágrimas, salguem seu rosto. Vá nadar, dar um pouco de endorfina a seu corpo cansado. Vá sair com seus amigos e exercite as bochechas sorrindo descontroladamente. Vá até a rodoviária e compre passagem para Sampa. Venha lembrar que o mundo não é exatamente aquele que você sempre achou que fosse. Venha lembrar que enquanto você come e dorme e lê e dirige e morre e nasce, outras pessoas fazem outras coisas para outros fins e por outras razões. Só assim para entender que o que chamamos de grande sacanagem é na verdade uma benção.

Se disser vem, eu te receberei. [Só me avise antes porque vou viajar.] Se não disser nada, eu vou entender. Eu também sou pré-programada.

E agora chega. Uma espinha incomoda-me o queixo e preciso correr espremê-la pois já não caibo em mim de aflição. Fútil e frívola e rasa e besta, eu sou, mas prometi a mim mesma e a você mesmo e a todos mesmos que não iria mais mentir. Não prometi? </Bia Singer> <!--6:06 PM-->

/archives



Powered by Blogger